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SEM
RUÍDO NAS COMUNICAÇÕES
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Ultimamente
tenho sido procurado insistentemente a respeito da situação
atual do tráfego aéreo no País. Escrevi alguns
artigos sobre aspectos isolados da questão. Eles podem
ser encontrados na minha página pessoal (www.marcospontes.net).
Contudo, ressalto que não tenho acesso a todos os dados
disponíveis, não sou especialista em tráfego
aéreo e nem na sua legislação específica.
Portanto, advirto que o texto que se segue deve ser considerado
apenas como a minha opinião pessoal, baseado na minha experiência
como piloto e profissional da área de segurança
de vôo e de ciência e tecnologia, por mais de duas
décadas, no Brasil e no exterior.
Observo que o acidente com a aeronave da Gol, fato triste e lamentável,
mas de forma nenhuma estranho na história de qualquer país,
disparou discussões e expôs possíveis vulnerabilidades
técnicas e operacionais.
Esse é um resultado saudável e comum nesses casos.
Aqui na NASA em Houston, onde trabalho para o Brasil junto ao
programa da Estação Espacial Internacional, ou no
Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), onde atualmente
assessoro o Comando da Aeronáutica para o projeto do Veículo
Lançador de Satélites (VLS), também pude
observar os mesmos efeitos após os acidentes do Columbia
e da explosão de Alcântara. Porém, a mistura
de investigação de segurança de vôo,
com finalidade exclusiva de determinar causas, com a pressão
da investigação penal, com finalidade de procurar
culpados, sempre prejudica sobremaneira os objetivos de prevenção
de futuros acidentes e, algumas vezes, tem sintomas estranhos
dos mais variados.
No momento, observo que existe enorme desinformação.
São tantas informações desencontradas, entrevistas
com pessoas com o rosto eletronicamente cobertos e voz disfarçada
que, apresentadas de forma confusa pela imprensa, causam picos
de audiência, mas que, no momento, só aterrorizam
a população e prejudicam, a curto e médio
prazo, a economia do país.
Do lado das autoridades, é absolutamente necessário
que todas as informações sejam apresentadas de forma
clara e completa ao público, contendo apenas dados tecnicamente
determinados, e que a imprensa busque e divulgue apenas os fatos
apurados, não realimentando medos, ou polêmicas.
Do lado do público, é necessário que cada
pessoa use do bom senso e procure apenas por informações
com autor conhecido e qualificado. Buscar fatos para reconhecer
inverdades e sensacionalismos. É direito de todo brasileiro
questionar e exigir diretamente das instituições
envolvidas, como a Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC), o Ministério da Defesa (MD) e o Comando da
Aeronáutica (COMAER), todas as explicações
conhecidas sobre o assunto. É dever da instituição
pública informar e responder de forma clara e completa
ao cidadão, tanto que, por exemplo, o site da Força
Aérea Brasileira (www.fab.mil.br)
já apresenta explicações técnicas
sobre o assunto em uma página especial sobre tráfego
aéreo. Contudo, caso mais informações sejam
desejadas, estas podem ser solicitadas diretamente a cada setor
responsável.
O que não pode acontecer é esse prolongamento angustiante
da confusão e desinformação sobre o assunto.
Isso é muito preocupante na esfera nacional e do ponto
de vista internacional. Para um país de dimensões
continentais e da importância comercial do Brasil, ter um
tráfego aéreo reconhecidamente eficiente e seguro
é absolutamente essencial para o bom andamento dos negócios.
As conseqüências do que se observa no momento vão
muito além do martírio e das inconveniências
observadas nos aeroportos. São milhões de reais
em perdas por contratos não assinados, reuniões
adiadas, cancelamentos de vôos para o sofrido setor de transporte
aéreo brasileiro, e tantas coisas mais. Lamenta-se até
o risco de vidas inocentes, como o caso do transplante perdido
na última semana.
O turismo, fonte de grande renda para o país, especialmente
no fim de ano, com certeza também sofrerá muito
este ano. O “assunto desencontrado” tráfego
aéreo, somado ao absurdo de um filme estrangeiro recém
lançado chamado “turista” (diga-se de passagem
merecia uma manifestação oficial), terá reflexos
sérios na imagem internacional do país, fazendo
muita gente lá fora pensar duas vezes mais antes de marcar
as férias ou investir nesse setor aqui no Brasil.
Portanto, fica claro que um problema existe. Seja ele real, por
falha de sistema, ou simplesmente existente por ruído nas
comunicações, gerando todo esse terror na imprensa.
O fato é que temos um problema. Mais ainda, ele exige atenção
imediata!
Precisamos de uma solução. Solicitam que eu opine
sobre quais deveriam ser as análises e providências.
Advirto novamente que não sou especialista no tráfego
aéreo e sua legislação específica.
Sou um usuário. Ainda, ressalto que o conhecimento mais
profundo das informações disponíveis pelas
investigações e discussões oficiais já
desenvolvidas, pode alterar bastante o que aqui opino. Porém,
no presente momento, a lógica e minha experiência
profissional me conduzem às seguintes considerações
e “procedimentos”:
Sobre
a investigação de acidente:
A análise técnica precisa, completa e imparcial,
como é feita a investigação de acidentes,
pode tirar qualquer dúvida e eliminar informações
desencontradas sobre o assunto. Portanto:
- Manter o esforço de investigação de segurança
de vôo.
- Separar o relatório em pelo menos dois volumes.
- O primeiro, a ser apresentado assim que possível, deverá
analisar, determinar causas e apresentar recomendações
sobre a colisão das aeronaves (responder por que o Boeing
e o Legacy estavam na mesma altitude e posição geográfica
no mesmo momento).
- O segundo, com publicação mais tardia, deverá
analisar as conseqüências estruturais da colisão
e possíveis vulnerabilidades dos sistemas do Boeing 737
(responder por que o Boeing perdeu condições de
vôo depois da colisão).
Sobre o possível “buraco negro” radar (falta
de cobertura radar):
Quando comunicações são possíveis
e os sistemas de navegação da aeronave funcionam
normalmente, a cobertura radar, embora altamente desejável,
não é condição absolutamente necessária
para o controle de tráfego aéreo em rota. As regras
de tráfego, de conhecimento obrigatório de todos
os pilotos e controladores, garantem a separação
em nível na situação de aeronaves em proas
opostas e o contato rádio com os pilotos garante a informação
de posição e altitude aos controladores. A cobertura
radar, por outro lado, é essencial para a defesa aérea,
já que, obviamente, um avião inimigo não
vai entrar em contato com o controle para dizer sua posição
e altitude! Em todo caso, sendo item desejável para o aumento
da segurança de vôo:
- Utilizar uma equipe técnica qualificada, reconhecida
e independente
- Testar imediatamente a cobertura radar atual no Brasil para
todos os blocos possíveis de altitude e nas condições
de operação significativas.
- Se for determinado que existe falha de cobertura radar,
- Restringir a operação nas áreas e aumentar
o espaçamento entre aeronaves de forma a garantir a segurança.
- Corrigir o problema assim que possível através
da melhoria dos equipamentos.
Sobre o “buraco negro” rádio (falta de cobertura
rádio):
Caso exista falha nesse aspecto, isso é um fato sério,
visto que, mesmo existindo as informações de posição
e altitude em um dos lados da comunicação aeronave/solo,
estas não poderiam ser utilizadas para o controle de tráfego,
pois não haveria contato e coordenação entre
o controle de solo e as aeronaves. Portanto:
- Utilizar uma equipe técnica qualificada, reconhecida
e independente
- Testar com urgência a cobertura rádio atual no
Brasil para todos os blocos possíveis de altitude e nas
condições de operação significativas.
- Se for determinado que existe falha de cobertura rádio:
- Restringir a operação nas áreas e aumentar
o espaçamento entre aeronaves de forma a garantir a segurança.
- Corrigir o problema imediatamente através da melhoria
dos equipamentos.
Os testes de cobertura rádio não são simples
de executar. Os resultados dependem de muitas variáveis,
incluindo o estado e funcionamento dos aparelhos nas aeronaves,
no solo, e da meteorologia. Existem freqüências alternativas.
Tudo deve ser testado.
Sobre
a qualidade dos equipamentos existentes:
Os equipamentos de controle de tráfego aéreo devem
acompanhar o desenvolvimento tecnológico mundial e garantir
segurança de vôo para volumes de tráfego superior
ao máximo previsto no momento avaliado. Portanto:
- Utilizar uma equipe técnica qualificada, reconhecida
e independente
- Verificar o estado operacional, vulnerabilidades e robustez
dos sistemas e equipamentos instalados.
- Preparar plano de avaliação periódica para
atualização constante dos sistemas baseada nas previsões
de crescimento de tráfego aéreo do país.
Sobre
o número de controladores de vôo (fator humano)
O trabalho eficiente do controlador de vôo é essencial
para a segurança de vôo. Portanto:
- Montar uma equipe jurídica e técnica qualificada.
- Analisar completamente a situação e necessidades
atuais.
- Analisar e solucionar questões jurídicas para
a contratação imediata de controladores disponíveis.
- Iniciar providências imediatas para a formação
de mais controladores.
- Enquanto o número de controladores não estiver
satisfatório, reestruturar procedimentos, número
de vôos, rotas e espaçamento de aeronaves, em estudo
conjunto com as companhias aéreas, de forma que o tráfego
comercial “previsto” fique dentro das restrições
máximas de operação dos controladores existentes,
evitando cancelamentos e atrasos excessivos.
Sobre
a recente falha do sistema de comunicações:
Aparentemente o incidente não tem conexões com as
outras considerações disparadas pelo acidente. A
falha foi inédita e de probabilidade bastante remota, afetando
os sistemas primário e secundário (backup) ao mesmo
tempo. Portanto, para eliminar quaisquer suspeitas quanto ao sistema
ou sabotagem:
- Utilizar uma equipe técnica qualificada, reconhecida
e independente.
- Analisar as causas da falha do sistema
- Recomendar providências para evitar possível recorrência.
Sobre
a desinformação atual observada:
As conseqüências da desinformação atual
já foram discutidas. Portanto, com urgência:
- Coletar todas as informações disponíveis
de todos os setores e instituições envolvidas e
apresentar de forma clara e completa em um “website”
comum sobre o assunto.
- Agendar coletivas de imprensa semanais com representantes de
todos os times envolvidos e parlamentares para apresentação,
discussões e providências sobre os resultados e descobertas
obtidos durante a semana.
- Emitir relatórios parciais e um final, sempre de acesso
público, sobre o assunto.
Confio nas nossas autoridades. Conhecendo a qualidade e competência
dos profissionais da área que atualmente trabalham sobre
o assunto discutido, tenho certeza que todas as considerações
e providências sugeridas acima, em minha opinião
pessoal, já foram naturalmente, pensadas, observadas, utilizadas,
corrigidas e otimizadas.
Como cidadão preocupado com o futuro do país, o
que espero é que as providências acertadas, sejam
quais forem, sejam tomadas, e tomadas com urgência. O Brasil
e nós, brasileiros, precisamos disso.
Marcos
Pontes é astronauta, mestre em engenharia de sistemas,
engenheiro aeronáutico, piloto de provas de aeronaves,
consultor, empresário e colunista. Atualmente o astronauta
continua a disposição do Programa Espacial Brasileiro,
participando e assessorando nos seguintes projetos: participação
brasileira na Estação Espacial Internacional, Programa
Microgravidade, AEB Escola, Veículo Lançador de
Satélites, desenvolvimento de foguetes suborbitais e Satélite
SARA. No setor privado, Pontes atua como consultor técnico
e gerencial junto a empresas de renome, com ênfase nas áreas
de segurança do trabalho, gerenciamento de riscos, motivação
e gerenciamento de projetos.
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